A 3.ª Seção do Superior Tribunal de Justiça definiu que configura crime de apropriação indébita tributária o simples inadimplemento de ICMS devido em operações próprias, declarado e repassado ("cobrado”) aos consumidores finais.
A tipificação da conduta deveu-se à interpretação do termo "cobrado” do art. 2.º, inc. II da Lei 8.137/1990 que, para o Tribunal, alcança todos os tributos indiretos incidentes sobre o consumo, dentre os quais o próprio ICMS, devidos ou não na sistemática de substituição tributária.
Com isso, o STJ criminalizou tanto o contribuinte inadimplente do ICMS em operações próprias, como do ICMS devido no regime da substituição tributária.
No primeiro caso, o contribuinte apura o imposto sob a sistemática normal de créditos e débitos, registrando os créditos decorrentes da aquisição de matéria-prima, produtos intermediários, materiais de embalagem e os correspondentes débitos derivados das saídas (vendas) sujeitas ao pagamento do imposto, de modo a obter o valor do imposto devido (diferença entre débitos e créditos).
Já no segundo caso, o contribuinte – normalmente, fabricante ou importador – antecipa o ICMS para o restante da cadeia (antecipação para frente) ou o contribuinte intermediário recolhe o imposto para o restante da cadeia, que já se iniciou sem a antecipação do imposto (substituição para trás).
Ocorre que há sim uma grande diferença entre um e outro caso, sendo que, para ambos, deve haver a comprovação do dolo do contribuinte para o enquadramento do tipo penal.
Vejamos.
A técnica da substituição tributária serve à otimização da arrecadação, sobretudo porque o Estado concentra todo o seu poder fiscalizatório no contribuinte responsável pelo recolhimento e apuração por toda cadeia – denominado "substituto tributário”. Assim, se o substituto tributário destaca o ICMS em suas notas fiscais de vendas e não o repassa ao Estado, todos os demais contribuintes da cadeia sofreram esse encargo sem o consequente repasse do tributo pelo seu responsável.
Há diversos setores estratégicos, como o setor de combustíveis, em que o ICMS-ST é fator preponderante na formação do preço dos produtos, de modo que o não repasse do imposto pelos seus responsáveis – refinaria, distribuidora – gera total desequilíbrio no mercado de preços de combustíveis.
Nesse contexto, se verificada a existência de prática reiterada de não repasse e recolhimento do ICMS-ST pelos seus responsáveis (substitutos tributários), poderia se cogitar da existência do tipo penal, eis que o imposto foi devidamente retido no início da cadeia e, de forma deliberada, não repassado ao Estado.
Importante esclarecer que, mesmo no campo do ICMS-ST, há diversos motivos que podem levar ao seu inadimplemento, como por exemplo, a própria dificuldade de interpretação dos Protocolos ICMS editados no âmbito do Confaz e da legislação interna dos diversos entes federados em se tratando de operações interestaduais.
Em outras palavras, nem toda ausência de repasse de ICMS-ST ao Estado é dolosa e intencional, sobretudo se considerado o complexo rol normativo que temos em nosso país, em que a apuração e recolhimento de tributo é tarefa das mais árduas.
Já no que se refere ao ICMS devido nas operações próprias declarado e não pago, não se poderia, em nenhuma hipótese, cogitar da configuração do tipo penal. Isso porque, o contribuinte não está a se apropriar de algo devido ao consumidor final, que nem contribuinte do imposto é. O consumidor, na verdade, apenas terá sido onerado com o custo do ICMS no preço do produto.
Ademais, o simples fato de o ICMS estar destacado na NF não significa dizer que o vendedor (contribuinte do ICMS) recebeu o valor do produto (e do próprio ICMS) do comprador. Até porque, a apropriação pressupõe a existência de algo (bem móvel alheio) para apropriar-se, sendo que o simples destaque do imposto na nota fiscal não pressupõe o seu pagamento pelo comprador da mercadoria.
Apesar de o alvo do julgado ter sido o ICMS, se levado o racional dos Ministros da Corte Especial ao extremo, haverá a criminalização generalizada de condutas tributárias devido à mera inadimplência, pois, de alguma forma, todos os tributos são repassados ao preço do produto ou serviço.
O contribuinte já é muito apenado caso esteja inadimplente, pois está sujeito à inclusão do seu nome no Cadin, terá sua dívida protestada, estará sujeito a bloqueio judicial de seus bens, dentre outras medidas draconianas perpetradas pelo Estado na recuperação de créditos tributários.
Se o inadimplemento de dívidas fiscais, por si só, não é sequer causa de redirecionamento de executivos fiscais aos sócios, diretores e dirigentes, como poderiam, então, esses mesmos representantes da pessoa jurídica serem responsabilizados criminalmente em decorrência da suposta apropriação indébita do ICMS, se nem mesmo responderão com o seu patrimônio pessoal pelo inadimplemento de débitos de tal natureza? Não é mesmo a esfera penal a ultima ratio?
*Gabriela Miziara Jajah e Daniel Franco Clarke
Fonte: Estadão
A tipificação da conduta deveu-se à interpretação do termo "cobrado” do art. 2.º, inc. II da Lei 8.137/1990 que, para o Tribunal, alcança todos os tributos indiretos incidentes sobre o consumo, dentre os quais o próprio ICMS, devidos ou não na sistemática de substituição tributária.
Com isso, o STJ criminalizou tanto o contribuinte inadimplente do ICMS em operações próprias, como do ICMS devido no regime da substituição tributária.
No primeiro caso, o contribuinte apura o imposto sob a sistemática normal de créditos e débitos, registrando os créditos decorrentes da aquisição de matéria-prima, produtos intermediários, materiais de embalagem e os correspondentes débitos derivados das saídas (vendas) sujeitas ao pagamento do imposto, de modo a obter o valor do imposto devido (diferença entre débitos e créditos).
Já no segundo caso, o contribuinte – normalmente, fabricante ou importador – antecipa o ICMS para o restante da cadeia (antecipação para frente) ou o contribuinte intermediário recolhe o imposto para o restante da cadeia, que já se iniciou sem a antecipação do imposto (substituição para trás).
Ocorre que há sim uma grande diferença entre um e outro caso, sendo que, para ambos, deve haver a comprovação do dolo do contribuinte para o enquadramento do tipo penal.
Vejamos.
A técnica da substituição tributária serve à otimização da arrecadação, sobretudo porque o Estado concentra todo o seu poder fiscalizatório no contribuinte responsável pelo recolhimento e apuração por toda cadeia – denominado "substituto tributário”. Assim, se o substituto tributário destaca o ICMS em suas notas fiscais de vendas e não o repassa ao Estado, todos os demais contribuintes da cadeia sofreram esse encargo sem o consequente repasse do tributo pelo seu responsável.
Há diversos setores estratégicos, como o setor de combustíveis, em que o ICMS-ST é fator preponderante na formação do preço dos produtos, de modo que o não repasse do imposto pelos seus responsáveis – refinaria, distribuidora – gera total desequilíbrio no mercado de preços de combustíveis.
Nesse contexto, se verificada a existência de prática reiterada de não repasse e recolhimento do ICMS-ST pelos seus responsáveis (substitutos tributários), poderia se cogitar da existência do tipo penal, eis que o imposto foi devidamente retido no início da cadeia e, de forma deliberada, não repassado ao Estado.
Importante esclarecer que, mesmo no campo do ICMS-ST, há diversos motivos que podem levar ao seu inadimplemento, como por exemplo, a própria dificuldade de interpretação dos Protocolos ICMS editados no âmbito do Confaz e da legislação interna dos diversos entes federados em se tratando de operações interestaduais.
Em outras palavras, nem toda ausência de repasse de ICMS-ST ao Estado é dolosa e intencional, sobretudo se considerado o complexo rol normativo que temos em nosso país, em que a apuração e recolhimento de tributo é tarefa das mais árduas.
Já no que se refere ao ICMS devido nas operações próprias declarado e não pago, não se poderia, em nenhuma hipótese, cogitar da configuração do tipo penal. Isso porque, o contribuinte não está a se apropriar de algo devido ao consumidor final, que nem contribuinte do imposto é. O consumidor, na verdade, apenas terá sido onerado com o custo do ICMS no preço do produto.
Ademais, o simples fato de o ICMS estar destacado na NF não significa dizer que o vendedor (contribuinte do ICMS) recebeu o valor do produto (e do próprio ICMS) do comprador. Até porque, a apropriação pressupõe a existência de algo (bem móvel alheio) para apropriar-se, sendo que o simples destaque do imposto na nota fiscal não pressupõe o seu pagamento pelo comprador da mercadoria.
Apesar de o alvo do julgado ter sido o ICMS, se levado o racional dos Ministros da Corte Especial ao extremo, haverá a criminalização generalizada de condutas tributárias devido à mera inadimplência, pois, de alguma forma, todos os tributos são repassados ao preço do produto ou serviço.
O contribuinte já é muito apenado caso esteja inadimplente, pois está sujeito à inclusão do seu nome no Cadin, terá sua dívida protestada, estará sujeito a bloqueio judicial de seus bens, dentre outras medidas draconianas perpetradas pelo Estado na recuperação de créditos tributários.
Se o inadimplemento de dívidas fiscais, por si só, não é sequer causa de redirecionamento de executivos fiscais aos sócios, diretores e dirigentes, como poderiam, então, esses mesmos representantes da pessoa jurídica serem responsabilizados criminalmente em decorrência da suposta apropriação indébita do ICMS, se nem mesmo responderão com o seu patrimônio pessoal pelo inadimplemento de débitos de tal natureza? Não é mesmo a esfera penal a ultima ratio?
*Gabriela Miziara Jajah e Daniel Franco Clarke
Fonte: Estadão