Além dessas hipóteses, admite-se o redirecionamento quando houver a dissolução irregular da pessoa jurídica, como já assentado pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo (REsp 1.371.128/RS).
Nesses termos, a presunção de dissolução irregular deverá ser reconhecida quando constatado o fechamento da empresa no seu domicílio fiscal sem comunicação aos órgãos competentes, induzindo a responsabilização do sócio/administrador, que, por sua vez, terá o ônus de comprovar a licitude dos atos praticados, ou mesmo a regularidade da dissolução[1].
O redirecionamento ao sócio/administrador não importa no afastamento da responsabilidade da pessoa jurídica, nem seu desligamento do feito, justamente pela manutenção da condição de contribuinte como sujeito passivo da dívida tributária, pois a responsabilidade é solidária (REsp 1.455.490/PR).
Quando o inciso III do artigo 135 do CTN aponta a responsabilidade "dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”, deve-se entender que essa menção não é genérica a todo e qualquer sócio, mas precisamente àqueles investidos de efetivos poderes de administração da sociedade, desde que configurada a prática de atos com excesso de poder, infração da lei, estatutos e contrato social, como estabelece o caput do mencionado dispositivo.
Logo, pode-se afirmar que o sócio minoritário de reduzida participação societária não pode ser alvo de redirecionamento em execução fiscal movida em contra a pessoa jurídica, justamente pela ausência de poderes para praticar atos de gerência ou administração, que naturalmente competem ao sócio majoritário, aquele que gerencia o negócio, que detém o poder decisório.
Sendo certo que a responsabilização pessoal do sócio depende da prática de atos com excesso de poder, infração à lei, violação do contrato social ou do estatuto ou, ainda, dissolução irregular da pessoa jurídica, devemos considerar um elemento adicional, qual seja, a conduta dolosa do agente na gestão da sociedade. É imprescindível, para tanto, a caracterização da fraude, do abuso de direito, da confusão patrimonial, do desvio intencional da finalidade da pessoa jurídica, circunstâncias que autorizam o redirecionamento do executivo fiscal. Mesmo diante da absoluta incapacidade da pessoa jurídica saldar sua obrigação tributária[2], não se pode responsabilizar automaticamente o sócio que agiu em conformidade com o direito, dentro da legalidade, orientado pela boa-fé.
A interpretação conferida pelo juiz ao artigo 135 do CTN deve ser absolutamente criteriosa e restritiva, inspirada na excepcionalidade do redirecionamento, e não por simples presunção, valendo anotar que a corte superior já advertiu que a interpretação do mencionado dispositivo legal, notadamente seu inciso III, não pode ser gramatical/literal, o que, "segundo a boa doutrina especializada na hermenêutica, pode levar a resultados aberrantes, como é o caso em análise, insustentável por razões de ordem lógica, ética e jurídica”. (REsp 1.455.490/PR).
Não se deve perder de vista o comando do artigo 112 do CTN, ao disciplinar que a lei tributária deve ser interpretada da maneira mais favorável ao contribuinte quando houver dúvida quanto à capitulação legal do fato; à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão de seus efeitos; à autoria, imputabilidade ou punibilidade; ou à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.
Considerando que o mero descumprimento do dever jurídico de pagar um determinado tributo não é reconhecido pela jurisprudência como uma infração à lei (como sugeriria uma leitura apressada do artigo 135 do CTN), sobressai fortalecida a conclusão de que o ato de gestão derivado de conduta ilícita, inspirada pelo dolo, é causa determinante para a responsabilidade tributária do sócio/administrador.
Uma vez adicionado o elemento dolo para efeito de aplicação do artigo 135 do CTN, passo a analisar um campo ainda instável na jurisprudência, concernente à identificação do sócio/administrador contra o qual caberá o redirecionamento em caso de dissolução irregular; ou seja, aquele que ocupava essa função na época do ato ilícito ou ao tempo do encerramento ilegal.
Essa questão se esclarece a partir da constatação da origem concreta e efetiva do ato reputado ilícito, orientado pelo intuito fraudulento. Primeiramente, devemos admitir que a rotatividade na gestão societária no mundo empresarial não é algo incomum, absolutamente. Empresas endividadas são constantemente adquiridas por novos grupos, novos sócios, novos gestores, que assumem o risco de tentar soerguer o negócio, muitas vezes para até revendê-lo e auferir lucro. Até aí, nada de ilegal. Logo, não pode haver assunção automática de responsabilidade tributária do novo sócio por ato ilícito praticado pelo anterior, excetuada a hipótese de ciência prévia. Assim não fosse, ninguém seria leviano de, em sã consciência, ingressar numa empresa endividada, colocando em risco seu patrimônio pessoal. Quero dizer, com isso, que a responsabilidade tributária por ato ilícito do sócio/administrador é absolutamente pessoal, como pessoal também é o ato praticado, motivo pelo qual a responsabilidade deve recair nos ombros do verdadeiro autor da ilegalidade, atentando-se para o momento exato da sua origem.
Há um aspecto que merece atenção especial, concernente a dissolução irregular da empresa quando constatado que o sócio anterior a repassou para outrem de forma artificial, ardilosa, visando ocultação da real titularidade e/ou blindagem patrimonial. Nesses casos, o terceiro, comumente denominado "sócio-laranja”, geralmente desconhece o negócio jurídico, tendo seu nome ilegalmente utilizado para benefício alheio, tornando-se sócio (inconsciente) de uma empresa. Essa situação enquadra-se juridicamente como dolo, vício de consentimento (artigo 145, Código Civil).
Assim, o vício de consentimento decorrente do dolo é anulável (artigo 171, II, CC), tendo como consequência o restabelecimento da situação jurídica anterior (artigo 182, CC). Noutros termos: confirmada a boa-fé do terceiro, vítima de um esquema ilícito, o negócio jurídico ilegal fica privado de qualquer efeito no mundo jurídico, retroagindo a data da celebração e restabelecido o status quo ante.
Entretanto, se o "sócio-laranja” empresta seu nome em ato de conluio com o sócio verdadeiro, mancomunados, estará caracterizado a simulação, causa de invalidação dos negócios jurídicos (artigo 167, parágrafo 1º, I, CC). Nessa circunstância, levando em consideração que "o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo” (artigo 169, CC) e "as nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz... quando as encontrar provadas” (artigo 168, p.único, CC), é certo que, em caso de transferência simulada de participação societária, a responsabilidade tributária atingirá também o sócio primitivo, ainda que haja dissolução irregular anos depois.
Assim, no tocante ao redirecionamento da execução fiscal ao sócio/administrador, restando evidenciada a fraude por meio de vício de consentimento(dolo) ou simulação, a responsabilidade tributária alcançará o mentor do ilícito, por infração da lei (artigo 135, CTN), sendo pouco relevante aferir quem ocupava a gerência da empresa no momento da dissolução irregular.
Havendo indicação do nome do sócio/administrador na Certidão da Dívida Ativa como corresponsável tributário, a jurisprudência do STJ considera o redirecionamento legítimo em razão da presunção de legitimidade do título (RESP AgRg no AREsp 708.225/DF).
Todavia, conforme pertinente advertência doutrinária[3], "a inclusão do nome do responsável tributário na CDA não pode ser um ato arbitrário da autoridade fazendária. Ao contrário, para que a Fazenda possa validamente inscrever o nome do responsável no título executivo, cumpre-lhe, antes, lançar o tributo também contra ele, apontando, desde logo, os fatos que ensejam a responsabilidade. Isso porque a ausência dos fundamentos impediria o efetivo exercício do contraditório e do devido processo legal administrativo pelo responsável, havendo, na verdade, ato arbitrário, pois desprovido de motivação. (...) Na medida em ao devedor principal (pessoa jurídica) são asseguradas as garantias do contraditório e do devido processo legal administrativo no momento de constituição do crédito tributário, com mais razão ainda deve-se garantir tais direitos ao responsável, cuja posição depende da comprovação da ocorrência de uma das hipóteses previstas no art. 135 do CTN, não decorrendo diretamente da lei que instituiu o tributo. Ademais, a inclusão do nome do devedor e de eventuais responsáveis na CDA é ato administrativo vinculado, que pressupõe o exame da legalidade do lançamento tributário”.
O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IRDR), incorporado ao ordenamento pelo novo Código de Processo Civil (artigos 133/137), terá alta relevância para fortalecimento do contraditório em nosso sistema, especialmente no Direito Tributário em casos de responsabilização do sócio. Após a instauração da execução fiscal, aquele que tiver seu nome incluído na CDA poderá requerer a instauração do incidente, devendo demonstrar a inobservância do contraditório e ampla defesa no processo administrativo tributário. Poderá, ainda, manejar exceção de pré-executividade ou embargos à execução, conforme as particularidades do caso.
Por outro lado, ausente a indicação do nome do responsável tributário na CDA, o redirecionamento deverá obrigatoriamente implicar na instauração do incidente, oportunizando o contraditório antes da invasão na esfera patrimonial do terceiro, com suspensão do processo (artigo 134, parágrafo 3º, novo CPC).
A inovação processual não colide com o atual entendimento do STJ sobre o tema, no sentido de que "a indicação, na Certidão de Dívida Ativa, do nome do responsável ou do co-responsável (Lei 6.830/80, art. 2º, § 5º, I; CTN, art. 202, I), confere ao indicado a condição de legitimado passivo para a relação processual executiva (CPC, art. 568, I), mas não confirma, a não ser por presunção relativa (CTN, art. 204), a existência da responsabilidade tributária, matéria que, se for o caso, será decidida pelas vias cognitivas próprias, especialmente a dos embargos à execução. É diferente a situação quando o nome do responsável tributário não figura na certidão de dívida ativa. Nesses casos, embora configurada a legitimidade passiva (CPC, art. 568, V), caberá à Fazenda exeqüente, ao promover a ação ou ao requerer o seu redirecionamento, indicar a causa do pedido, que há de ser uma das situações, previstas no direito material, como configuradoras da responsabilidade subsidiária" (REsp 900.371/SP).
Como anota a própria decisão, a responsabilidade tributária em caso de indicação do nome do sócio/administrador na CDA gera presunção relativa, podendo ser ilidida nas vias processuais próprias, o que, pelo texto da nova lei processual civil, abrange também o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Assim, caberá ao responsabilizado o ônus de provar a não caracterização de quaisquer das circunstâncias previstas no artigo 135 do CTN.
Antes da vigência do novo CPC, havia justa crítica da comunidade jurídica ao procedimento praticado, pois o terceiro era surpreendido com o inesperado ingresso na lide, seguido de invasão patrimonial sem contraditório prévio. Essa anomalia encontra-se agora bem solucionada pela nova lei processual, harmonizando o sistema com as garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Não se perca de vista que um dos pilares do novo CPC é a consagração do princípio da razoável duração do processo, o que gerou, inclusive, a redução do número de recursos. É fundamental, dentro dessa concepção, que se reforce o objetivo de aproveitamento máximo dos atos processuais no sistema como um todo, repelindo-se medidas inúteis e procrastinatórias.
O redirecionamento da execução fiscal para o sócio/administrador, como cediço, deve observar o prazo prescricional de cinco anos, contados da comprovação da prática do ato ilícito. O tema, contudo, não é pacífico na doutrina e jurisprudência, mas a inclinação dos tribunais é, em maior medida, favorável a citação da pessoa jurídica como marco temporal.
É preciso reconhecer, com respaldo no princípio da actio nata, que o prazo prescricional somente começa a fluir após a ciência inequívoca, pelo titular, da violação ao seu direito (artigo 189, Código Civil).
Nessa condição, o início do prazo prescricional para o redirecionamento da execução fiscal em face do sócio/administrador depende, fundamentalmente, da constatação da prática da conduta ilícita; da lesão ao direito. É nesse momento que surge a pretensão, ou seja, o interesse de agir da Fazenda de buscar o crédito em face de outro responsável tributário. Antes disso, inexiste direito de ação contra o terceiro. Saliento que a citação da pessoa jurídica gera a interrupção da prescrição também em relação aos sócios/administradores, motivo pelo qual deve ser admitido o redirecionamento mesmo após o transcurso do lapso temporal de cinco anos contados da citação da empresa, mas desde que não configurada inércia processual da Fazenda nesse período, que enseja o reconhecimento da prescrição intercorrente.
[1] Súmula 435/STJ. Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.
[2] Súmula 430/STJ. O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.
[3] Francisco Prehn Zavascki. Aspectos Processuais da Inclusão de Terceiros Responsáveis na Execução de Dívida Tributária. Revista Dialética de Direito Processual nº 146, p.53.
Fonte Conjur